um dia eu tive um motorista [e era muito cuidadoso]

Um dia eu tive um motorista. O senhor Paulino. Um homem elegante, um gentleman de pele morena e de sorriso fixo e sereno. Desconfio que tive o motorista mais querido de todos. O senhor Paulino conseguia dar charme ao míni autocarro azul. (Míni em comprimento, porque de resto era grande e divertido para nós crianças).  Era no míni autocarro que eu viajava todos os dias da semana. Cheia de orgulho por ter uma paragem só para mim, às 7h20 já estava sozinha e do outro lado da estrada da minha casa a entrar num verdadeiro autocarro. Acho que me sentia crescida. Depois, as viagens repetiam-se entre o Guia da Criança e a escola e variavam ao final do dia quando o senhor Paulino nos devolvia aos pais. Sempre sorridente e em paz. Sempre muito cuidadoso. E eu ficava sempre até ao fim. Podia ser a primeira a chegar a casa, mas preferia dar a volta completa e ser a ultima a dizer adeus ao senhor Paulino. As minhas viagens preferidas eram as que nos levavam até à praia da Rainha. O senhor Paulino também nos conduzia até ao mar. E também tinha uma chapa branca igual à nossa ao pescoço e o mesmo chapéu de sol azul na cabeça. (Só não sei se teria o nome dele bordado, acho que o dele não se perdia). O senhor Paulino também nos ajudava nos banhos de mangueira antes do almoço. Mas houve um verão que terminou menos divertido. O senhor Paulino decidiu reformar-se. Claro que chorei. Perdi o motorista mais querido e, uns tempos depois, o míni autocarro foi substituído por duas carrinhas. Ainda nos cruzámos algumas vezes. Mais velhinho mas sempre bonito e sereno. Hoje não sei como estará. Sei que há mais ou menos um ano ele perguntou por mim. E acho que tinha o mesmo sorriso. O senhor Paulino dava erros ortográficos. Sabem como sei disso? Porque ainda guardo o envelope do Guia da Criança com um papelinho branco escrito por ele na despedida. As minhas educadoras leram o meu poema e divertiram-se com os erros que encontraram no papel. Há coisas que não esquecemos. Eu não esqueço a mensagem do meu motorista mais querido e até hoje não consigo ver naquele papel algum erro.