sorrir e adormecer [uma história para afastar os pesadelos]
























Era uma vez um papagaio chamado João. Não tinha gaiola porque não fugia. Também não era exuberante. Não tinha cores aguerridas nem a voz esganiçada. Era tímido e não abordava quem passava. Nem soltava palavras em eco, como nos habituaram os papagaios. Mas falava. E era repetitivo, mas de forma especial.
O papagaio João foi oferecido ao Francisco pelo avô. Todos os netos recebem um, assim que descobrem a primeira palavra. O avô acredita que os incentiva a falar. O Francisco ainda não tinha dois anos quando recebeu o João. Já se passaram sete. São amigos e o João revelou-se um verdadeiro contador de histórias. E um encantador! O Francisco já não adormece sem ouvir uma história. Claro que o repertório do João não é muito extenso. Afinal, é um papagaio. Aprendeu uma história e repete. Todas as noites. Mas o Francisco não se importa. Aliás, não sei se algum dia ele ouviu a história completa. Adormece sempre a meio. É que como dizia há pouco, este papagaio é um encantador. Ele não fala alto. Ele não é exuberante. Ele parece que canta baixinho e embala. Assim que começa o “Era uma vez”, as palavras soam a felicidade. Este papagaio consegue falar e sorrir. Consegue ser melódico. Consegue soletrar muito bem cada palavra. Às vezes o Francisco arranja-lhe sinónimos para ele aprender. O João também consegue interpretar. Principalmente quando faz papel de chato. Aí parece mesmo um papagaio. Repete a mesma piada até à exaustão. E até consegue puxar pela voz e desafinar. É o momento em que o Francisco se desmancha. Ele adora esta parte. Depois, o João começa a sussurrar. E à medida que vai baixando o tom, o Francisco vai iniciando o piscar de olhos. A história não é longa. Nem poderia ser vindo de um papagaio. Nem tem fim. Mas aqui só importa que o Francisco adormeça todas as noites a sorrir. É que o Francisco tem tido motivos para ter noites agitadas. Todas as manhãs ele segue para a escola e treme um bocadinho. Treme porque nunca sabe o que lhe espera. Mas espera sempre que pelo menos o ignorem. É melhor do que ser insultado. Do que ouvir mentiras. E o papagaio João todas as noites cumpre a sua missão. Ele não percebe porque fazem isso ao amigo. Ele sabe que não é justo. E por isso, todas as noites ele recupera momentos felizes do Francisco. E o Francisco distrai-se. Ri-se. E depois adormece mais leve. Porque o que importa é dormir sem pesadelos. É descansar para no outro dia poder encarar. É adormecer a sorrir, porque um dia, tudo vai melhorar!  

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