férias a três (inclui cansaço na bagagem)
As férias terminaram. Desta vez ia muito cansada. A minha
cara dizia-o. As pessoas verbalizavam. E a minha filha sentia-o, com certeza.
Aquelas duas semanas de trabalho ainda sem creche cansam. Saem da rotina. É
gerir para onde vai. É levá-la numa manhã à avó Emília. Noutra à avó Manuela.
Porque as duas ainda trabalham. É ter os tios e os primos de férias. Embora
ainda conseguíssemos a ajuda da Tia Mónica naquela sexta-feira a ferver de
calor. Houve ainda um dia a tentar trabalhar em casa. E fui salva pela amiga
Carina que veio buscá-la às quatro da tarde. E aí sim terminei o meu guião. Mas
entre gestões, emoções, trabalho e horas de sono por gozar lá fui de férias.
Como de costume. Mas este ano o cansaço foi embrulhado na bagagem. E livrar-me
dele? Não é fácil. Há efectivamente um descanso. Mas relativo. Há uma criança.
Que chama. Que tem fome. Que tem sede. Que quer vestir o vestido. Que quer uma
trança no cabelo. Que Que Que… e na hora de sermos nós a pedir, há uma criança
que não faz à primeira. Temos de repetir. Repetir. Há uma criança que cresce mas
ainda depende muito de nós. E, acima de tudo, há uma criança que cresce e nos
desafia. E tudo isto cansa. Por mais que se misture com o não fazer mais nada
para além de ir para a praia ou ir passear. Porque efectivamente falta o não
fazer nada. E o nada implica um vazio e ao mesmo tempo um preenchimento. É o
vazio de saber que vamos poder estar sem ninguém chamar. Mais do que uns
míseros minutos. E o preenchimento de podermos, simplesmente, estar. Como nos
apetecer. Eu preciso destas dualidades. No sofá da casa de férias. Na cama. E até
no mar. Mergulhar. Nadar. Boiar. Quando te apetecer. O tempo que for. Sem
ninguém te chamar. Mesmo que seja maravilhoso vê-la no mar. A desafiar os
medos. A divertir-se. Cada dia melhor. Sem medo das ondas. A rir às gargalhadas
quando se enrola nelas. A descobrir. A observar. A adorar. E tu estás sempre
lá. Nos momentos dela. Que são os teus. E que tu adoras. Que te fazem sorrir os
olhos. E que te aquecem o coração. Mas cansa. E é preciso descansar. Mas não
temos onde a deixar. Ninguém para ela ficar. Mas o cansaço lá foi saindo da
bagagem. Não totalmente. Ainda veio um pouco de volta. O truque foi tentar
preencher-me com um pouco do nada. Fizemos uma espécie de turnos. Muito poucos.
Mas valeram pela vida. Basicamente, consegui ler as entrevistas da Cristina
deitada na toalha da praia. Enquanto a Alice brincava na areia e no mar com o
pai li as loucuras do Bruno de Carvalho e as deliciosas palavras de Miguel
Sousa Tavares. Basicamente, consegui passar uma manhã no sofá a ler a Prima. Todos
na sala. Cada um a fazer o que lhe apetecia. O pai a ver um filme no telemóvel.
A Alice a viajar pelo youtube. E o sossego até é fácil de conseguir. Mas nós contrariamos.
Mas nessa manhã deixámos. Assim como em alguns jantares. Basicamente, deixei-me
ficar no mar uma vez. Enquanto eles secavam. Comiam. E o Vítor conseguiu ler a
Sábado. Conseguiu ver o Benfica enquanto as duas brincávamos até de noite no
mar. E também leu os homens da Cristina. E, basicamente, foi isto. Bastou. Tão pouquinho.
Eu sei. De facto não é preciso muito. E até parece simples. Mas, efectivamente,
não é. Enquanto somos apenas filhos, não entendemos a intensidade da parentalidade.
Só no lugar de pais descobrimos que esta parte da vida não tira férias. Restam-nos
os turnos para nos estendermos na toalha ou no sofá. Mesmo que dure cinco
minutos. Para o ano haverá mais. Férias a três. Tal como gostamos. Mas com a
esperança de conseguir ler um livro.
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