a vida do faz de conta

Ando numa fase em que nem sempre sei a quantas ando. Às vezes sou a Rosa, a educadora da Alice, outras vezes a Beta, que é a auxiliar. Também já fui a própria Alice e sei lá quantas pessoas que se têm cruzado na vida da minha filha. E ando assim meio esquizofrénica e às vezes questiono o que irá naquela cabeça. Numa das nossas “interpretações” senti que, de facto, ela não tem muita noção da realidade. E já fui pesquisar sobre isso. E é normal. Apesar de já ser muito crescidinha nas conversas e nas atitudes, está na fase da imaginação. E apesar de nem sempre ser fácil, eu gosto de entrar nesse mundo com ela. 

Numa manhã, como habitual, preparávamo-nos para sair de casa (a Alice quis ir de saia) e eis que começa um dos nossos momentos de esquizofrenia.




“Não tens frio?” Pergunto eu enquanto lhe calço as botas. 
“Não, avó.” Diz-me a Alice com a Mónica ao colo. “Porque eu sou a mãe da Mónica”. 
Entro na imaginação dela e digo: “Sabes que as avós são mesmo assim, sempre preocupadas se temos frio.” E continuo: “A minha neta (Mónica) é que deve estar com frio, porque está sem roupa.” 
“Não é neta, é a tua filha.” Responde a Alice enquanto lhe visto o casaco de ganga. 
“Tu és o pai.” 
“Ah! Ok. Então bora, vamos para o carro, meninas!” 
E lá saímos de casa. Entretanto digo à Alice que ainda está fresquinho e ela diz que não. Mas assim que se cruza com o vento faz uma cara que não desmente, mas como qualquer rapariga não desmancha e lá vai ela com o modelito. 
Enquanto a coloco na cadeira diz-me: 
“Tens de ajudar a mana a sentar”. 
“AH, pois, anda cá Mónica”. 
“Não”. Responde logo a Alice. “É a mana mais velha que vai à frente”. 
Lá fecho a porta à Alice. Coloco o cinto à mana mais velha e fecho a porta da frente. (ao que isto chegou!!!)
Começamos a nossa viagem e a Alice diz algo do género: 
“Não batas no vidro”. 
E eu, que não entendi muito bem, pergunto: 
“O quê, filha?” 
“Não, estou a falar com a Mana.” 
E lá me calei. Ri por dentro. E ela continua a conversar com a mana. E às vezes comigo. (Que confusão!)
“Olha lá o que é que a Mana está a fazer. Continua a bater no vidro. Fala com ela!” 
E, claro, lá começo eu a falar com a Mana. E, entretanto, a Alice pede-lhe para ter cuidado que pode partir o vidro. Lá aproveitamos um pouco a música dos Vampire Weekend que está a tocar na Radar e uns quilómetros à frente: 
“Olha pai, a mana partiu mesmo o vidro. E agora?” 
“Ó filha!” Digo eu, interpretando o meu papel, “estas a ver, a Alice já te tinha dito que isso poderia acontecer.” 
“Não pai, eu sou a mãe”. (a loucura total!)
“Ah! Achava que eras a mana mais velha.” 
“Não, essa é a Alice Afonso.” (uma amiga lá da creche) 
Foi nessa altura que tudo acalmou e a Alice passou a preocupar-se mais com o caminho e a dar-me as orientações para a esquerda e para a direta. Achava eu que tudo tinha terminado, mas assim que passamos o portão da creche diz-me ela com a Mónica ao colo: 
“Olha, ela diz que quer ir ao colo do Pai”. 
“Anda cá Mónica ao meu colinho”. E pergunto à Alice:
“A Mónica fica com a mãe ou vai com o pai?” 
“Ela vai com o pai”. 
E de repente tudo acabou. Mas às vezes não acaba tão facilmente. 
A Alice anda numa fase em que adora brincar ao faz de conta que somos outras pessoas. E eu alinho. O pai passa-se um pouco. No outro dia, ela era a mãe da sofia e antes de seguirmos viagem sentou-se no banco de trás do carro e foi difícil conseguir sentá-la na cadeirinha dela, porque as mães não precisam de cadeirinha. O pai não consegue passar muito tempo no mundo da imaginação. Não gosta nada. Mas eu entro na brincadeira. Lá faço os meus exercícios mentais e físicos. No outro dia ela era a mãe do Alexandre, um amigo lá da creche, e eu era o Kiko, o irmão mais novo que ainda tem meses. E, portanto, eu não podia falar. Podia chorar. E meia volta tinha uma chucha de plástico na boca que mal segurava e ela insistia que tinha de estar direita na minha boca. Nos intervalos enfiava-me um biberão de brincar, porque o Kiko tinha fome. Depois lá gatinhava. (e não consigo perceber como é que os bebés gatinham. Dói que dói andar de joelhos no chão). Mas no meio de tudo isto havia uma coisa muito boa, porque como mãe a Alice é muito carinhosa e eu ganhei muitos mimos. 
O pior é mesmo quando temos de ir para a cama, lavar os dentes, ou fazer alguma tarefa mais séria que tem mesmo de ser feita. Ela não desarma e eu tenho de fazer malabarismos para conseguir que ela faça as coisas da Alice, mas sendo outra pessoa qualquer. No dia seguinte à história do Kiko, estava eu na cozinha a preparar o nosso pequeno almoço quando oiço a minha querida filha: 
“Bom dia Kiko”. (errrr) 
Vou ter com ela a rir às gargalhadas e enquanto subo as escadas ela diz-me: 
“Tem de ser a gatinhar, porque o Kiko ainda não anda”. 
E é isto a minha vida, minha gente. 




Comentários

  1. Que imaginação fértil e interminável tem a Alice! 😊
    Acho que isso é muito bom nos miúdos.
    Beijinhos Célia.

    Blogdiariodeumafamilianormal.blogspot.pt

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    1. Mesmo. Ela não pára de inventar.
      um beijinho grande para ti rute e obrigada por vires sempre aqui deixar a tua mensagem. mais beijos

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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