A RE-DECORAR A PRIMEIRA SEMANA


A meio da semana passada a cabeça dava sinais de dor. Não que a dor estivesse mais intensa. Desde que estou em casa que a sinto. Eu sou daquelas que pensa muito. Enfim. Mas não era a dor que estava mais intensa. Eu estava mais sensível. Sentia-me dona do lar. A colher todas as migalhas do chão. A fazer sopa. A pensar no jantar. A ouvi-la chamar por mim. Sentia-me dela. Apenas dela. Porque nesta quarentena ela sente-se minha. Nunca estivemos assim. Não me quer largar. Tive alguns momentos menos bons. De cansaço por não ter tempo para mim. De irritação apenas porque sim. Porque estamos fechados. E porque fiz um calendário onde só constavam as atividades dela. Com ela. Mudei. Já me inclui nestes dias. Estou agora nesse meu momento. Segui o conselho da mãe do amigo Duarte. Criei um tempo no calendário onde ela está sozinha durante o tempo que eu estipular. Até a chamar. Pode ver televisão ou youtube. É o tempo dela e dentro dos limites pode escolher. Sem interferirmos. Estamos cada um no nosso espaço. Cada um por si. Também ajudou o conselho da amiga Catarina que improvisou um escritório lá em casa. Fiz o mesmo. Tratei disso no fim de semana. Decorei cada espaço: o meu, o da Alice e o do pai. Estamos a reformular a primeira semana. A aprender a viver nesta modalidade. A entrar na segunda semana. Eu com algum entusiasmo por sentir que vai ser diferente para mim. Mas estou triste. Talvez sejam as nuvens que por aqui começam a ficar cinzentas no céu que vejo deste meu escritório. A verdade é que o fim de semana foi triste em noticias. Os números surreais de Itália. Os relatos que nos chegam das equipas nos hospitais. Aquelas pessoas loucas que foram em bando para a rua. As recomendações para termos ainda mais cuidado e trocarmos de roupa e de sapatos na hora de voltar para casa se tivermos de sair. E de as desinfetar. Depois, é a certeza de que os nossos números vão disparar. O desejo que sejam casos que se curem em casa e não precisem em massa dos cuidados dos hospitais. E a nossa curva que tem sido semelhante à de Itália? E o inverno que virá? E quando isto melhorar e o cuidado com as recaídas? Hoje até já me senti nostálgica com a escola da minha filha. Senti aquela dor da saudade de a escola poder não abrir e de não voltarmos a ter a educadora Rosa. Eu disse que sou daquelas que penso muito. Enfim. Isto no fundo são as interrogações da incerteza. O receio deste combate invisível. Por isso é que a dor de vez enquanto saltita da cabeça para o peito. Mas depois tenho um lado calmo e positivo que acaba por camuflar estas dores. E brincar alivia. Estar com ela alivia. (já se nota que estou há alguns minutos sem ela). Venha daí essa nova semana.  







Comentários

Mensagens populares