Conversas supérfluas (com o espelho)

“Estou feia”. “Isto fica-me mal”. “Não gosto da minha cara”. “Esta camisola não fica bem”. “Estes ténis estão apertados”. “A Rosa não vai dizer que estou linda”. “A minha amiga vai dizer que estou com o mesmo vestido e com as mesmas sabrinas de ontem”. Estes são os truques que a minha filha usa para levar a roupa que gosta. Estas são as conversas dela ao espelho que preenche a parede vertical perto da saída lá de casa. E estas são as frases que eu vou ouvindo de manhã. Antes de sairmos de casa. Às vezes prolongam-se até à viagem de carro. Achei que estas conversas pertenciam à adolescência. Mas não. Estão a acontecer e agora. Ainda não perguntei à minha mãe se eu era assim com 4 anos. Sei que era vaidosa. Sempre fui. Também sempre tive uma relação demorada com o espelho lá de casa e nem sempre sorridente. Há ali uma conversa do “fica bem? Não fica”. Troca de roupa. Experimenta. “Isto fica melhor?” “Isto fica pior?” Assim 30 minutos de namoro antes do outfit ficar definido. Mas isto era antes de ser mãe que isso agora acabou. São raras as vezes em que faço trocas. Não é imediato. Ainda fico ali uns minutos. Mas agora sento-me na cama a olhar para o guarda-vestidos aberto. Fico assim algum tempo a olhar para o nada à espera que me diga o que vestir. O pior é que também fico assim no dela. Indecisa com o que vou combinar. A tentar a melhor combinação entre o gosto dela e o meu. A tentar contornar a roupa que vai ficar bem com a sabrina dourada que tanto gosta. De forma a não roçar a pirosice. Mas às vezes fecho os olhos. Se ela gosta, porque não? Eu também adorava andar com os dedos preenchidos de anéis e os braços pesados de pulseiras de prata. O pescoço também teve a fase dos fios cheios de chuchas coloridas e adereços vários que se encavalitavam. Lembro-me de combinar as roupas com a minha amiga Ana Rosa lá no Guia da Criança. E da mãe dela ter ido comprar umas sandálias laranjas de camurça iguais às minhas para fazermos pandã. Tenho fotos minhas com collants e sandálias. Assim como a Alice também já saiu à rua. Já deixei de lado a minha pura convicção de que quem decide o que ela veste sou eu. Andar com uma filha vestida ao meu gosto. Uma miúda cheia de pinta e de estilo, mas para a mãe. No fundo seria isso. E foi assim até ela não demonstrar interesse nem vontade. Hoje não faz sentido, até porque percebo que isto é algo importante para ela. Então porque não fechar os olhos e abrir horizontes? Vamos lá misturar os gostos. A pirosice da mãe e da filha. Ainda sou eu que escolho. Mas já penso nos gostos dela. Já penso nisso quando vou às compras. Raramente compro calças e as camisolas tento que não sejam muito compridas. Opto por saias e vestidos que rodem. E será cedo? Será demasiado? Sempre pensei que seria eu a escolher. Que ela se vestiria ao meu gosto. E assim foi até aqui. Mas agora não consigo. Não faz sentido que seja só eu a escolher. E a ficha caiu-me há uns tempos. Cada vez que ela tentava usar uma bandolete bem vistosa e cor-de-rosa com direito a tule e a uma pedra brilhante eu arranjava motivos para ela não a usar. E ela trocava por outra, sugerida por mim. Até que numa dessas tentativas ela me diz: “ó mãe, se calhar é melhor devolver esta bandolete”. E é nesse momento que eu percebo. Deixa lá a miúda ser pirosa que isso dá-lhe sorrisos. As conversas ao espelho concerteza vão continuar a existir. Até porque combinamos gostos, mas há regras a cumprir. Até porque as minhas nunca terminaram. E com certeza quando a Alice não precisar tanto de mim vou voltar a ficar ao espelho. Aqueles 30 minutos em que a cama se preenche de roupas que experimentei. Desculpem este texto supérfluo. Mas a roupa é parte de mim.  


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