A (im)perfeição

Apetece-me escrever que tenho uma filha maravilhosa. Que me abraça. Que diz que me ama. Diz-me que sou bonita. Que vai gostar de mim para sempre. A semana passada acordou-me às 4h00 da manhã e pediu-me para fazer conchinha. E todas as noites pede que me encoste a ela na cama até não cabermos mais. Assim coladas. Ela quase esborrachada na parede e eu nela. Hoje assim que sentiu que o pai estava a acordar abraçou-o forte e disse-lhe que gosta muito dele porque sabe que está com dores. Apetece-me dizer que me rio muito com ela. Com as conversas dela. Gosto de dizer-lhe tudo. E saber que ela ouve e que gosta de ouvir. Apetece-me dizer que ela dá beijinhos. Abraços. Mutos abraços. Que gosta muito de algumas pessoas e sabe demostrá-lo. Que dança e canta muito e me diverte. Que faz teatrinhos maravilhosos. Que brinca muito sozinha e inventa diálogos e personagens. Que tem piadas inventadas que me surpreendem. Que é vaidosa. Que me pergunta se aquela bandolete fica bem com a roupa. E que normalmente acaba por escolher aquela que eu digo que fica bem. Podia continuar a lista de coisas que me preenchem nela. Mas, na verdade, o que me apetece escrever. Dizer. Gritar. É que a minha filha é aquela que refila. Que não ouve à primeira. Que se zanga comigo quando me zango com ela. Que tem sempre uma resposta para dar. Que diz mentiras. Daquelas mentirinhas malandras que o riso envergonhado desvenda. Que manda as coisas para o chão. Que adora desarrumar. E na hora de arrumar resmunga antes de o fazer. Que tem ciúmes. Tem dificuldade em partilhar. A minha filha gosta de mandar. Gosta que goste dela e não acha muita piada quando os outros miúdos gostam de mim. Ela faz birras. Ela faz asneiras. A minha filha põe açúcar no garoto e mel no chá. Gosta de gomas e chupa-chupas. Bebe coca-cola e sumol de ananás. É muito gulosa. Não gosta da sopa quando não está passada. E tem dificuldade em comer coisas verdes. E já me disse que a mãe era má. Já me disse que as mães que gostam das filhas não se zangam com elas. Já gritei com ela. E ela comigo. Já lhe dei palmadas. E ela já me respondeu que não se bate. A minha filha não para quieta. Mexe-se muito. Mexe nas roupas e nos sapatos quando estamos na Zara. Gosta de experimentar sapatos e de se esconder debaixo dos expositores. A minha filha é uma criança, porra! E as crianças são isto mesmo. Mas porque raio têm de ser perfeitas? Ficar quietas? Falar baixo? Comer coisas verdes e sem açúcar? E porque raio é que as mães se têm de sentir mal por terem crianças que mexem? E que se mexem. Que gritam. E fazem gritar os pais. Hoje não se grita com eles. Também não se dão palmadas. Mas podemos dar-lhes o telemóvel ou o Ipad. Isso não conta, porque ficam sossegadas. Porque nem as ouvimos. É como se não estivessem lá. Ficam calmas. Portam-se lindamente. Tal como a mãe gosta. Ou tal como a mãe gosta que os outros vejam. Porque raio é que as mães se importam com os outros? Escondem e têm vergonha de mostrar? Porque raio nos rimos quando são os filhos dos outros e nos irritamos quando são os nossos? Porque raio? Porra! (eu sei que um Foda-se funcionaria melhor, mas não combina comigo). São crianças! E as crianças são elas próprias. Umas mais irrequietas. Outras menos. Umas mais controladas. Envergonhadas. Umas sem papas na língua. Refilonas. Who cares? São crianças. Não quer dizer que sejam melhores ou piores pessoas. Que tenham melhor ou pior coração. Que sejam adultos melhores ou piores. E nem são elas que nos definem enquanto pais. Não sou pior mãe por ela chamar feia a uma amiga. Ou por ficar calada e quieta enquanto lhe dizem que ela é que é feia. Não! Não! Não! São crianças. E nós pais fazemos o nosso caminho. Aquilo que achamos melhor. Com mais ou menos segurança. Mas é o que achamos certo. Depois, será o que tiver de ser. E será ela própria. Com algo meu e do pai, mas com muito dela. Da personalidade dela. Hoje é meiga e irrequieta. É amorosa e refilona. Não é politicamente correta. Nem tem de ser. Graças a Deus! Que aproveite enquanto é criança. Todos desculpam e acham graça. Menos as próprias mães. 

Comentários

  1. Mais um texto que aqueceu meu domingo 😍 Pai também sente o mesmo, hahaha😉 Amei. Tenho sentido mesmo isso ultimamente : Amo cada dia mais as imperfeições do meu pequenote. Acho que é a maneira como vamos aprendendo a paternidade. 💛

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    1. só vi agora o teu comentário (não sou nada blogger lolol) beijinho Paulo OBRIGADA

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