a caminho do natal

Na semana passada fiz viagens diárias a Torres Vedras. Num carro cheio. No banco de trás. E no silêncio da viagem matinal houve um dia que viajei. Aos domingos cinzentos e frios em que saía de casa a pé com a minha mãe. Íamos até ao pinhal lá perto de casa. E nestes dias, a caminho de Torres Vedras, ao passar pelas árvores, com o céu cinzento, lembrei-me disso. De sairmos de casa com sacos de plástico. De olharmos para o chão. Delicadamente. De escolhermos o mais verde. Mais limpo. Mais bonito. Depois enterrávamos a mão na terra fria. Eu a imitar. A tentar ajudar. Porque era a mão da minha mãe que ficava coberta de musgo. Com muito jeitinho para não partir. Para sair da terra o mais inteiro possível. E saía de lá todo direitinho. E depois tirávamos as espigas, os paus, aquilo que nos parecia a mais. E lá entrava o musgo no saco de plástico. E lá ia connosco até casa. Depois, montávamos a árvore de Natal que vinha do sótão. Caixotes e sacos cheios de pó. Os mesmos sacos e os mesmos caixotes velhos e sujos todos os anos. Com as fitas brilhantes que naquela altura se usavam. Com as luzes embrulhadas que levavam tempo a desembrulhar. E no saco mais delicado estava o presépio. Uma cabana bem antiga. Talvez mais velha do que eu. Não sei. Da cor da terra. Com paus e palha à mistura. Com Jesus, José e Maria nos seus lugares. O burro e a vaca que não saiam do sitio. E depois, naquele tapete verde pousávamos as ovelhas, as cabras, o cão, o poço feito em cartão pela minha mãe e pintado por ela. Um pedaço de folha de alumínio simulava a água. Havia a ponte também desenhada por ela, e tanto mais... E eu adorava. Muito mais do que a árvore. Adorava aquele cenário montado. A sensação de faz de conta. Aqueles animais e todos os adereços. Tudo tão real e tão artesanal. Naquelas tardes de domingo a duas havia muita vontade e muita dedicação. E no final vinham as luzes. Que percorriam a cabana. Que entravam por baixo da ponte. E por cima da fonte. E neste fim de semana lembrei-me disso. Quando a minha filha acordou e pediu para fazermos a árvore. Quando fomos as duas à arrecadação buscar as caixas. Ainda não estão velhas nem acumularam tanto pó. Vê-la a desembrulhar cada ramo da árvore apertado pelo papel aderente. Com o pai. Cada um na sua função. A juntá-los por cores. Em conversas a dois. A fazer tudo certo. A gostar de fazer. A tirar as bolas das caixas. As colocá-las antes do tempo. Antes das luzes. Todas juntas. Quase no mesmo ramo. A querer montar o presépio. Acima de tudo, a brincar com o presépio. Nesta fase é tudo brincadeira. E lá andou com a família de um lado para o outro a brincar. Porque o meu presépio não está colado à cabana. Aliás, desmonta-se todo. E adorou o comboio. Que fez questão de montar. De por a girar. De ver e cheirar o fumo. E dançou. Saltou. Fez barulho. Gostei tanto de a observar. Perceber que já sente. Já gosta de fazer parte. Esteve lá sempre. Dedicada. Divertida. Não fomos ao musgo a pé. Mas, sinceramente, senti-a caminhar até ao Natal.    

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