DOIS MINUTOS QUE QUERO PROLONGAR PARA SEMPRE


No dia da mulher apeteceu-me escrever sobre uma. Uma mulher desconhecida. Com quem me cruzei dois minutos. Num encontro forçado. Na estrada. Num dia de chuva. Ela conduzia um volvo. Vestia uma blusa branca. Daquelas felpudas. Com ar quentinho. Tinha óculos. Um cabelo meio encaracolado. Um ar desportivo. E talvez tenha a idade da minha mãe. Eu, saía da empresa a caminho de duas entrevistas. Em direção a uma casa familiar, mas uma morada desconhecida. E que procurava no e-mail. No iphone. Enquanto ia fazendo paragens nos semáforos. Cada vez que sentia uma oportunidade corria o dedo no ecrã à procura do mail que me desse a morada. Procurava. Não encontrava. Andava. Voltava a parar. Voltava a procurar. E voltava a não encontrar. Tudo tão repetitivamente. Tão de repente. Até que nos encontrámos. Eu e a mulher desconhecida. O meu destino estava cada vez mais próximo. Eu queria ter a certeza do lugar. E continuava a procurar. E já não estava parada no semáforo. Até que desvio o olhar do e-mail. E lá estava ela. À minha frente. Parada. Rapidamente o meu pé sai do acelerador. Passa para o travão. Mas não chega. O volvo estava cada vez mais perto. Até que há um efeito sonoro que esclarece tudo. As minhas coisas que iam no banco do lado vão parar ao chão. A minha cabeça entristece. Percebo o que fiz. O que não devia ter feito. Desligo o carro. Ali no meio da estrada. Da subida. Da curva. Ativo os quatro piscas. E lá vou eu travar o indesejado encontro. A senhora desportiva com a blusa branca abre a porta do volvo. E lá cruzámos olhares. Lá nos aproximámos. Ela está zangada. Diz-me que as pessoas andam muito rápido na cidade. Que devemos todos andar mais devagar na cidade. Eu percebo. Peço-lhe desculpa. E ela continua chateada e a chamar-me à atenção. Eu percebo. Eu sinto-me triste. Eu respondo. Sei que tem razão. Mas também sei que não serve de nada estarmos ali assim. No meio da estrada a conversar. Uma conversa que já não vai resolver nada. Mas ela não se cala e responde-me. Que tem de me dizer alguma coisa. Que tem de me chamar a atenção. E eu volto ao meu discurso. Peço-lhe novamente desculpa e digo-lhe que as palavras já não nos servem de nada. Encaminho-a para o segundo passo. Relembro-a que o que importante no momento é resolver. Mas ela continua. Continua a dizer-me que tem de me dizer alguma coisa. Que tenho de andar mais devagar na cidade. E quando eu achava que a conversa se ia prolongar. Que a fila de trânsito ia crescer atrás de nós. Que as minhas entrevistas não se iam realizar. A senhora desportiva da blusa branca diz-me que lhe bati no para-choques. Que não quer nada. Que apenas tem de me dizer que temos de ter mais cuidado na cidade. E volta-se. Entra no volvo. Eu fico sem perceber. Ainda olho para o meu carro. O estrondo tinha sido forte. Não vi o carro dela. Não faço ideia se ficou riscado. O meu ainda tem alguns riscos. Mas acho que são daqueles que saem se esfregarmos. Voltei para o meu carro. Respirei fundo. Liguei o carro. Pé na embraiagem. Primeira. Acelerador. E lá vamos nós. Devagar. Já não pego no telemóvel. Já só penso nela. Naquela mulher. Penso que de facto ela tem de servir para alguma coisa. Eu tenho de tirar partido dela. Não foi à toa que nos cruzámos. Eu ando rápido na cidade. É verdade. Eu ando a maior parte do tempo contra o relógio. E ultimamente consulto o telemóvel no trânsito. Envio sms. E-mails. Vejo redes sociais. E naquele dia procurava uma morada. E a verdade é que me concentrei. Confiei na minha memória fotográfica. Fui observando. Fui me lembrando. E cheguei à morada. Sem precisar do e-mail que escrevia o nome da rua e o número da porta. Todos os dias me tenho lembrado da senhora desportiva. A sair do carro. Triste por não cumprirmos. Não a conheço para além disso. Não sei se costuma cometer erros na estrada. Nem sei se naquele dia não cometeu algum. Não quero saber se teria o Seguro em dia. Só quero aprender. E por isso no dia da mulher apeteceu-me escrever sobre este ensinamento. Sobre esta desconhecida que me chamou à atenção. Tal como fazem as mães. Que me fez parar. Desligar do acelerador. Mas muito mais do que isso. Ela tem de me fazer concentrar na estrada. O tempo realmente mudou. Parece que dura muito menos. E somos nós que lhe tiramos horas e minutos. E somos nós que lhe queremos acrescentar horas e minutos. E queremos que renda. Queremos adiantar. Aproveitar todo o tempo do mundo. E na estrada vamos a trabalhar. A tratar de assuntos. Ou a tratar de nada. Mas já não nos chega ir com as mãos no volante. As costas no banco. Com os olhos na estrada e os ouvidos sintonizados na rádio. Já não nos chega. Mas tem de chegar. E temos de mudar. E eu vou-me esforçar. Quero prolongar estes dois minutos para sempre.   

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