o cheiro da saudade



















A Alice adormece comigo ao lado. Ainda. Costumo apertá-la. Quando a história termina e a luz se apaga. Não hora do beijo. E normalmente esse beijo é de chucha. Mas não me importo. O importante é o gesto. É o aconchego. Gosto de senti-la. Acho sempre que as palavras precisam dos gestos. E este aperto reforça as palavras. Faço questão de senti-la. Mas acima de tudo, faço questão que ela sinta que a amo. Que estou ali. E que estarei. Sempre. E para sempre. E numa destas noites... num destes aconchegos... apertei a Alice. E as palavras soltaram-se na mesma intensidade do abraço. Numa dessas noites... disse-lhe que vou ter tantas saudades disto. Destes momentos. Dela. Ela sorriu. Depois do silêncio perguntou se também iria ter saudades do pai. Disse-lhe que sim. Depois apertei-a de novo. Até ficar com o cheiro dela. E voltei a dar voz ao meu coração. Pedi que me desse aquele cheiro. Para guardar num frasco. Para um dia abrir e matar saudades. Ela sorriu. Não respondeu logo. Mas depois disse-me que sim. E nessa noite... apaguei a luz e a Alice encheu-me de beijos e de apertos. Desajeitados. Mas apertados. Não sei se percebeu o que lhe disse. Mas tenho a certeza que sentiu. Tão bom! Mas que maravilha é esta? Que sentimento? Que vontade de apertar? Alguém sabe? Que cheiro é este? É tão dela mas é tão de criança. Ou melhor, de filho, de sobrinho... de um amor especial. Um cheiro para lá do perfume. Ali na zona do pescoço. Assim perto das orelhas. Atrás do cabelo. Uma mistura de odores. A pele. O creme. O suor.... Mas é tão bom! E cheira a saudade. Se cheira! Alguém sabe? Alguém reconhece? Alguém justifica? Só pode ser amor. Em forma de odor. Mais uma forma que o corpo encontra para nos  ligar. Mas será que fica? Será que consigo guardá-lo? E quando abrir o frasco será que se vai evaporar? Ou será que o cheiro muda mas o amor fica? Sei que estou na fase da paixão. Que tudo é agora mais intenso. Muito intenso. Estamos completamente apaixonadas uma pela outra. É o início. É o encantamento. Como será? Ainda não conheço este amor no tempo. Sei que a paixão dela se apagará. E a minha? E também sei que o pai dela continua a ter o mesmo cheiro. Do início. Da descoberta. Da paixão. É por isso que tenho esperança. Acho que não preciso de fechar este cheiro num frasco. Vou aproveita-lo. E dar graças a Deus pelo meu olfato.

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