Voltei onde casei




Foto: ADORO














Voltei onde casei. Com a Alice. Saímos da creche. Fomos como habitualmente até ao carro. A brincar. Gosto de estacionar o carro longe. Ao contrário de muitos. Sentei-me no banco de trás e a Alice ao volante. Fingiu que estava a conduzir. Disse que íamos para as férias. E quando a viagem terminou sugeriu que fôssemos passear. As duas de mãos dadas. A dar voltinhas a uma espécie de jardins. Muito pequenos e um pouco abandonados. Tal como os prédios que os rodeiam. Parecem esquecidos. E nós ali. A passear pelo abandono. Pela degradação. Por dois tapetes pendurados numa corda prestes a tocar o chão. Não sei o que pensavam os outros pais que nos viam. Também não me interessa. Mas lá recuperámos os nossos papéis. Eu ao volante e Alice na cadeirinha. Ainda sugeriu que fôssemos à loja. Lembrou-se que nas tais férias tinha ficado de escolher uma mala pequenina. Teve azar. A loja encerra ao domingo à tarde. Ainda hesitei. Mas tomei a direcção certa. Fui para o Cristo Rei. Aquele sitio... Aquela capela... São especiais para mim. Há muito tempo. Desde que deixei lá um bilhetinho com os meus padrinhos e os meus primos. E eu de vez enquanto preciso de ir a sítios especiais. Estava vento. Muito vento. Tal como no dia em que casei. Dizem que estava muito frio. Eu não senti nada. Nem frio nem calor. Só amor. Estava tão bem. Foi tão bonito. Um dia quero repetir. Vou renovar o votos. Nós precisamos de renovações. Eu preciso. E hoje foi uma delas. Corremos ao vento. Eu e a Alice. Fizemos muitas pausas. Para olhar para o céu. Até conseguir ver o rosto do Cristo Rei. Corremos até ao limite. Às barreiras que não nos deixam cair. Tão linda aquela vista! Naquele dia nem a vi. Não escolhi o melhor mês para casar. Não dei ouvidos ao Quim Barreiros. Quis casar em dia de aniversário. No dia em que sempre celebrámos o amor. Era quase primavera. Acho que estava desagradável na rua. Eu não senti. Só o amor. E também andei por ali a pé. De braço dado com o Vitor. Mas não corri. Hoje sim. Fiz corridas. Subi e desci escadas e rampas a multiplicar. Até que entrei na capela. Especial. Sentei-me bem perto da porta porque estava com a Alice. Tive receio de perturbar. Mas ela ali ficou. Ao meu colo. Quieta. Sem os seus bichos carpinteiros. E ali ficámos as duas. No silêncio. Tal como há muito tempo não fazia. E se gosto de ficar em igrejas vazias. A pensar. A rezar. A fazer a tal renovação. Naquele dia estava cheia. De pessoas. De história. De emoção. E talvez de frio. Mas eu não senti. Só o amor. E a Alice ali estava. Sem mexer. Sem falar. Voltei onde casei agora com ela. A minha filha. E foi tão forte o momento. As duas. Não sei o que sentiu. Sei que quis ficar. Não quis sair. E eu fiquei. Apesar de as luzes estarem a apagar. Apesar de ficarmos cada vez mais sozinhas. Apesar de ouvir a porta a fechar. Só saímos quando nos mandaram embora. Expliquei-lhe que era ali que tínhamos casado. Eu e o pai. E ela disse-me que gostava de ali estar. Nem precisava de ter verbalizado. Sentiu-se. Voltámos às rampas e às escadas. Voltámos ao vento. Forte que nos travava na hora de correr. Mas nós ganhámos ao vento. Eu voltei a não sentir frio. Acho que a Alice também não sentiu. Perguntei-lhe duas vezes. Nunca me disse nem que sim nem que não. Acho que como naquele dia, foi amor que sentimos. E eu, agora que escrevo, acho que fiz as pazes que precisava. Naquela capela especial... onde um dia escrevi um desejo num papelinho... onde ofereci e recebi votos... onde casei com a Alice. Sempre que precisar vou voltar ao sitio onde casei.

Foto: ADORO



Comentários

  1. só amor, só amor... tão bom! e que lindo. e que lindas <3

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  2. Que lindo Célia! Que bons momentos descreves 😊
    Beijinhos grande

    Blogdiariodeumafamilianormal.blogspot.pt

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