regresso às aulas




Lembro-me do meu primeiro dia de aulas. Lembro-me de seguir no Clio verde claro metalizado da vizinha Amélia. Não se contavam as pessoas e seguíamos muitos. A Ana, a Marta, a minha irmã, eu e  o Ricardo Castanheira. Os dois deixámos o carro e lá entrámos na escola. Timidamente. Lado a lado. Como se não nos conhecêssemos. Sem falar. Lembro-me de ficar sossegada à espera que tocasse.  Ainda me vejo lá. Cabelo escuro. A franja. A olhar para a porta. E lembro-me de nos separarmos. Cada um seguiu para uma sala diferente. E ainda me lembro de ver a Canocha a correr com os cabelos mais cumpridos de todos e a mochila laranja que quase tocava o chão. Depois, lembro-me de não dormir antes de começar o 5º ano. Uma escola grande. Um trajeto para percorrer sozinha e a pé. Muitos livros. Muitos professores. Um horário para compreender. Alunos muito crescidos. Tantas e tantas novidades. Mais tarde, lembro-me de chorar baba e ranho no 8º ano. Quando na janela de sempre do Pavilhão A observei a minha turma. Li vezes sem conta. A tremer.  E lá estava eu. Sem a Canocha. Sem o Paulo Trindade. Sem o António. Sem... sem... sem. E foi a desgraça. O fim do mundo. E não parei. E só sosseguei quando consegui mudar de turma. E o Nuno Matias foi um querido. Trocou por mim. Que amor. Que prova de amizade. E na mudança para o secundário novas noites de ansiedade. O autocarro. A turma nova. As disciplinas. Mais pessoas. Mais pessoas mais velhas. As barracas dos ciganos que ficavam à entrada da escola. Depois, lembro-me da viagem de autocarro pela autoestrada até Setúbal. E de lá até à estefanilha. Pela primeira vez sozinha. Sem a Canocha. Só novidades. A turma. A exigência. As praxes. Em fila indiana com caras desconhecidas que se foram tornando familiares. O calor. As pinturas a derreter na cara. Os gritos. Os nossos. "Sexo, orgasmo, tesão, é tudo comunicação". Os deles "Caloiros". As roupas cada vez mais sujas. Os pombos e nós deitados nos dejetos deles. E finalmente o banho na fonte como manda a tradição. E o regresso a casa. No mesmo autocarro. Mas já com companhia. Todos sujos. Mascarados. Cansados. Mas mais felizes. No fundo é isto. O desconhecido mete medo. Mas passa. Todos passamos por ele. E hoje no trajeto de casa para a escola da Alice deparei-me com pais e miúdos frente às escolas. Lembrei-me que nós não tínhamos os pais. Lembrei-me da imensidão que era o primeiro dia quando implicava mudanças. Lembrei-me dos meus sobrinhos. Do Rodrigo que ainda só tem 9 anos e já vai para uma escola de grandes. Pequenino. Refilão. Imaginei-o à procura das salas. Imaginei-o a ouvir os professores. Confundido pelas novidades. Imaginei-o no refeitório perdido. Imaginei a Inês numa imensidão de gente. Gente diferente. Gente mais crescida, agora que vai para a Escola Secundária. Imaginei-a no mesmo canto como eu ficava com a Canocha nos primeiros dias. Os primeiros intervalos. Imaginei-a nas primeiras conversas com a turma. E ainda imaginei a Alice. Quando chegar a vez dela. Mas aí o pensamento congelou. Doeu. Não quis mais. E decidi escrever. Escrever que de facto custa o primeiro dia. A primeira semana. Custa ainda mais a semana anterior enquanto a mudança não se concretiza. Imaginamos. Receamos. Não dormimos. Tentamos disfarçar. Mas na verdade é só isso. Fiz o exercício e lembro-me de muito pouco. Lembro-me apenas daquilo que escrevi. No fundo, parece o fim do mundo. Andam os filhos. Andam os pais. Os tios. Os avós. Andam todos preocupados e ansiosos. Porque os filhos vão mudar. Porque os netos vão ter uma nova escola. Porque os sobrinhos vão ter mais responsabilidades. É parte do crescimento. Mais tarde são apenas algumas lembranças que ficam. A dor passa. E mesmo que as recordações nos façam suspirar elas fazem-nos crescer. Foi por isso que hoje quis escrever. A todos aqueles que ontem e amanha andam a sofrer com as mudanças dos filhos. Dói. Mas amanhã já sorriem mais um bocadinho. E depois ainda mais. E no futuro é tudo parte do crescimento. Deixem-nos ir. Descobrir. Mudar. Viver. 
Bom regresso às aulas. 

Comentários

  1. E são estas mudanças que os fazem crescer cada vez mais rápido! E nós vamos sempre sofrer por eles. Um beijinho para Alice 😘

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  2. Beijo Rute, para ti e para o teu casalinho.

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