a escola dos afetos

Já passou um mês. Já passou. Não. Já passaram dois. Passou a dor. Passou a angústia. Passou a preocupação. Foi há dois meses. Mas não parece. Há dois meses deitei-me ansiosa. Deitámo-nos. Há dois meses acordei com uma dor. Uma dor que doeu mais quando a Alice ficou na escola. Uma dor como nunca. Nunca senti nada assim. Há dois meses fomos os três. Numa viagem serena e feliz. Mas mentirosa. Não estávamos calmos. Não estávamos serenos. Um vazio estranho invadia o nosso coração. Mas a Alice nunca sentiu. E a recepção não poderia ter sido melhor. Uma festa. Uns amores. E a Alice ficou. Sorriu. Saltou para o colo da zá. Ficou bem. Ela não estranhou. E nós saímos bem. Aparentemente. No momento em que as costas se voltam o coração acelera e a cabeça já só pensa no regresso. Cria-se o desejo de avançar o relógio duas horas. E passou. E quando voltámos a dor doeu ainda mais. A Alice chorou. Chorou muito. Eu não estava lá, mas sei. Imagino. A Alice chorou para dormir. Muito. Só foi vencida pela cansaço. Eu sei como é. Eu sei como luta para não dormir. Doeu tanto. E no dia seguinte lá estávamos os três. Mais uma fralda de pano. Uma fralda bordada com o nome Alice e perfumada com o cheiro dos pais. A fralda que o pai usa para a adormecer. E no dia seguinte o vazio era maior. Alargado pelo medo da hora de dormir. Tudo o resto não me preocupava. Quer dizer, senti necessidade de avisar que a Alice come muito. Porque no dia seguinte a Alice almoçou. Duplicou as horas. E nós sem saber como preencher essas quatro horas. Que sensação! Que vazio. Que dor. Que estranho. E lá voltámos a correr. 
É na viagem de regresso que a dor se sente. Que o coração acelera. E aceleram os pensamentos. E os olhos querem chegar. Querem ver e sentir como correu. Que viagem dura a do regresso. E que tranquilidade. A Alice adormeceu bem. Esteve sempre calma. E foi um espanto. Comeu. Comeu. Comeu. "Ó mãe, onde é que esta miúda põe a comida?!" Duas conchas de sopa mais fruta. E respirámos de alívio. Já dormiu melhor. E na manhã seguinte lá estávamos em trio no mesmo trajeto. Ficou o dia inteiro. E nós fomos passear. Os dois. Que bom. Mas nessa manhã a Alice choramingou. Agarrou-se ao meu braço a pedir que não a mudasse de colo. E repetiu na 2f. E que dor! Sair de lá com ela a chorar. Mas doía mais sentir que virei as costas sem me despedir. Sem voltar atrás. Mas era melhor assim. Não piorar as coisas. E virava-me serenamente e a sorrir. Mas triste. Mas eu não sou assim. Eu não quero que a minha filha seja assim. Há sempre um beijo de olá e um beijo de despedida. E isso doeu muito nesses dois dias. Mas passou. Não se voltou a repetir. Mas se voltasse eu já sabia. Eu já sei. A Alice só passa para outro colo depois de me despedir. Depois de a beijar. De sentir que a amo e que vou voltar.(Obrigada Joana Ferreira). Já passaram dois meses. Mas não parece. E desde esse dia tem sido um descanso. Já não preciso mentir. O meu coração e o meu sorriso dizem a mesma coisa. E as costas voltam-se naturalmente. Tranquilas. E a Alice está bem. Já foi a medalha de ouro. Já foi a número um. Continua a ser a vaidosa. Há quem diga que é um amor. E agora é a Alicinha. Alice é muito mais bonito. Mas enfim, o diminutivo tem sempre algum afeto associado. Pelo menos para mim. Também já sabem que é refilona. Que não gosta de ouvir os outros chorar. Não gosta de ser a última a comer. E só dorme quando lhe apetece. Mas adormece sozinha (acredito que agarradinha à fralda como se sentisse o pai). E faz bons soninhos. Já passaram dois meses. E tem sido um descanso. Ela gosta de chegar à escola. Gosta de começar a ouvir os meninos no corredor. Ri-se quando chegamos. Vai para o colinho de qualquer uma. Diverte-se com a educadora Rosa. Muito. Encosta a cabeça ao ombro da Beta. Sorri com a simpatia da Leonor. (e deve gostar de a ouvir cantar) A Zázá é a mais efusiva quando chegam os bebés e a Armanda a mais discreta. O porteiro sorri-nos de orelha a orelha. E leva-nos à salinha mais afetuosa quando a comilona Alice precisa de maminha. Já passaram dois meses. E tem sido um descanso. Sinto afeto. Não só com a Alice. Sinto com todos os outros. Todos parecem felizes. Não se ouvem muitos choros naquela sala. E todos fazem progressos. Elas conhecem-nos muito bem. Elas gostam. Elas brincam. Cantam. Cozinham. Pintam. Abraçam. Dão colo. Dão beijinhos. Não estava à espera de tanto. De encontrar uma escola que desse colinho. E sorrisos. E eu não poderia estar mais feliz. Todos os dias. Todas as horas são essas as prendas que faço questão de dar à Alice. Sorrisos. Beijos e abraços. Sem exageros. Com verdade. Quero que se sinta amada para poder amar. Já passaram dois meses. E tem sido um descanso. E neste primeiro trimestre as atividades são sobre o afeto. Que sintonia. Que descanso. É a poção mágica da vida. Nada como inaugurar a vida escolar a ouvir o coração. O dela e o dos outros.  

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