a minha hora pequenina


Dez de fevereiro sempre foi uma data especial. Nasci no dia da minha avó Rosário. Mas só teremos convivido ao longo de um mês. Eu só me lembro das fotografias. Mas foi sempre especial. (Talvez um anjinho meu). Talvez. E talvez por isso a  família desejasse uma nova menina nessa data. Mas a Alice não quis. Quis deixar o dia para mim e para a bisavó Rosário. E deixou que o aproveitasse. Foi um dia a dois. Mas a Alice não demorou. Na despedida ofereceu-me contrações. Muitas! Mas contrações sem dor. A dois passámos a noite a contar os minutos. A tentar perceber se a cadência se mantinha constante. Às vezes mantinha-se. Às vezes descontrolava-se. Até que melhorou. Até que a manhã acordou e tudo se repetiu. Tudo indolor. Mas em progresso! Nessa manhã soubemos que este seria o dia da Alice. Que onze de fevereiro passaria a ser igualmente especial. Houve tempo para almoçar com os avós. Houve tempo para passar por casa. Houve tempo para nos abraçarmos forte. E houve tempo para a enfermeira se preocupar. Estranhou a demora. Mas eu estava calma. Fiz tudo nas calmas. E sorri! Mas um sorriso sempre acompanhado do nervoso miudinho.  Mas eu achava que iria estar pior. Eu sempre tive medo. Mas no dia onze eu estava calma. E continuava sem dores. Mesmo já presa ao soro. Mesmo sentindo que as contrações evoluíam em número. Mesmo sabendo que a dilatação estava a acontecer a bom ritmo. Mas a dor não tardou. Chegou com banda sonora. Porque levei comigo o Rodrigo Leão. Chegou já eu baloiçava na bola de Pilates. Mas ainda era tímida. Ainda houve tempo para enviar uma foto aos pais. Porque o meu pai confessou estar preocupado. (E eu até estava zen). Quis tranquilizá-lo. E a dor ia aumentado. E os balanços na bola aceleravam. E o pai ia relatando o que via no monitor. E via contrações fortes.  E nos intervalos... (porque as contrações dão-nos tempo para respirar) houve tempo para enviar sms. Avisei familiares e amigos. E nos intervalos... ainda li algumas respostas. Li votos de uma hora pequenina. É o que costumam desejar às grávidas, não é? Até que os intervalos mudam! Eles continuam lá mas a dada altura quase não os sentimos. Porque a dor que vem a seguir é maior. Maior! Maior! A banda sonoro continua lá. O pai continua a respirar comigo. É maior! É maior! Até que decido regressar ao estado mais zen. É ao pai que peço para dar voz à campainha. Ela toca no corredor. E a porta abre. A minha querida obstetra espreita. Espreita e pergunta: Epidural? Ela sorri com a minha resposta. Senti-a aliviada. E aos cinco dedos de dilatação despedi-me da bola. Mantive a música. Despedi-me suavemente da dor. Ficou um incómodo. Ficou uma pressão forte. Nada que perturbasse a conversa que mantivemos uma hora. Eu, o pai e a minha querida obstetra. Eu continuei a sorrir. À espera. E a dilatação atingiu o limite. E a pressão estava forte. E sem pedir veio um reforço para o meu estado zen. E sem demoras a minha cama começou a andar. No fim do corredor o pai fica à porta. Tem de se equipar. Entretanto eu troco de cama. E que cama! Grande para mim. Mas bastaram uns minutos para me ajustar. Para segurar as mãos. Para pressionar os pés. Estava confortável. O pai entra a correr. Fica de um lado. Junta-se às enfermeiras e à anestesista. A equipa está pronta. Que sensação de final de futebol! E eu passo a ser uma espécie de Ronaldo da seleção em quem todos depositam a confiança. É comigo que contam. Sou eu que tenho de lutar. Tenho de contribuir para a vitória. Cabe-me ouvir ou não as indicações das treinadoras de bancada. E eu ouvi. No início não entendi. Mas concentrei-me. E inspirei. E fiz força até aguentar. E parei quando me pediam. E descansei. E senti a pressão. E avisei. E tudo de novo. Inspira. E força. Mais força. Mais força. Nova pausa. Novo ciclo. Até que oiço no meu ouvido esquerdo que a Alice já está breve. Que está a sofrer. E o treinador motivou-me. Tudo de novo até conseguir a vitória. E conseguimos! E a Alice estava ali comigo. Nos meus braços. Escorregadia. Linda. Calma. Esperta. De olhos abertos. A Alice estava ali comigo e o jogo nem sequer precisou de um segundo tempo. Apenas de uns minutos de compensação. Foram 47 minutos. 47 minutos bastaram para estarmos a festejar. Para nos abraçarmos. Para ficarmos os três apertados até nos deixarem. Para o pai chorar. Para a mãe repetir sem conta a maravilha do momento. Para ir apertando a filha. Para ir acariciando o pai. Até porque quem é adepto sabe o que se sofre na bancada. E ele explodiu de alegria. E nós estávamos ali os três enquanto a sala de partos continuava a trabalhar. Mas não vimos mais nada. Não senti mais nada. Só emoção. Só a sensação de não conseguir explicar o que estava a acontecer dentro do meu coração. E é a partir daqui que tudo começa. Tudo o que vem a seguir é tão bom mas tão assustador. É a seguir que o medo se intensifica. E eu que tinha tanto medo do parto! Eu, afinal, consegui aquela hora pequenina. Aquela hora que todos desejam sem nunca imaginar que, efetivamente, ela pode existir. Mas existe. Aconteceu comigo. Obrigada a todos os que me desejaram a tal hora pequenina.      

Comentários

  1. Uma hora pequenina e um amor gigante. Tudo certo <3 Beijinhos para os 3!

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  2. ️És a minha leitora querida😘 aquela que vai deixando umas palavras neste blogue semi aberto. Obrigada e beijo

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  3. não há dia em que não passe por cá! gosto tanto de te ler que não quero perder pitada. um beijo

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